O Walner deixou o CAP no segundo ano do segundo grau, seguindo para o Curso Impacto no terceiro ano. Acontece que ele havia feito a matrícula no CAP, tendo o seu nome sido incluído na lista de alunos. Como eu não poderia perder a oportunidade, surrupiei a caderneta nova dele.
Aprovar o Walner no terceiro ano, como “aluno-fantasma”.
1) Freqüências: Sempre um aluno do grupo, no momento da chamada, se posicionava no fundo da sala. Os demais faziam uma espécie de barreira visual e quando o professor chamava “- Walner” (o que sempre acontecia já no fim da chamada), tal aluno levantava o braço encoberto pelos demais e dizia com uma voz de “Sassá Mutema”: “- ieu !”. Funcionava. O Walner passou meses sem uma só falta.
2) Caderneta: Eu sempre me dava ao trabalho de colocá-la na entrada e recolhê-la ao fim do dia. Ela estava recheada de presenças.
3) Provas: Eu reservava os vinte a trinta minutos finais das minhas provas para fazer a do Walner. Isso me impunha a necessidade de recolher sempre duas provas e esconder a dele enquanto fazia a minha. Só podia entregá-las quando a maioria da turma o fazia, para juntar logo ambas no meio do bolo. Contei com o auxílio de alguns colegas nessa empreitada.
Prova de Literatura. Minha pior matéria. Uma questão indagava acerca do estilo literário de determinado texto, perguntando quais os dados que o evidenciavam. Fiz minha prova e tirei, salvo engano, 8,0. No tempo que restou fiz a prova do Walner. Expliquei que o texto era Barroco e que os dados que indicavam o estilo do texto eram ao mesmo tempo os antagônicos dados de seis e o de vinte faces, porque eles eram o mínimo e o máximo, e poderiam trazer, após lançados, o par ou o ímpar, a sorte ou o azar, a vitória ou a derrota. Mencionei até um trecho em latim da ópera “fortuna imperatrix mundi” (O fortuna velut luna statu variabilis. Semper crescis aut decrescis; vita detestabilis…) e outras pérolas para encher lingüiça com besteirol. Disse que minha prova também era barroca, pois eu via nela a antítese, que poderia me levar do zero ao dez, a contradição e a afirmação em convívio harmônico e litigioso. Despachei todo o cabedal de besteiras pertinente.
Nota da prova: A professora Vânia (que havíamos declarado como mãe da Christianne) escreveu: LINDO ! MARAVILHOSO ! SUBLIME ! Poderia apenas haver aprofundado um pouco mais seu BELÍSSIMO eixo metafórico! Nota 9,0;
Conclusão: o Walner tirou nota mais alta do que a minha em literatura, o que provava que eu era mesmo absolutamente incapacitado para a matéria e que nosso amigo era um gênio da literatura. A prova ficou pendurada no mural por um bom tempo até alguém a ter surrupiado. Se tal prova ainda estiver na posse de algum colega, sugiro que a leve no encontro!
Aula de S.O.E. A professora já estava desconfiando das aglomerações na chamada e percebeu a ausência do Walner, pois ela o conhecia de anos anteriores. Precisamos mudar a estratégia. Quando o Walner foi chamado, fiz uma cara de apreensão e disse: “- Professora, eu não gostaria de ter que tocar nesse assunto… O Walner está no colégio mas não tem condições de assistir sua aula. Ele bebeu e está embriagado no pátio.”
Ohhhh disse a professora. “- Você está falando sério?”
Não sei como eu conseguia fazer isso sem rir, mas respondi: “- Professora, o problema é mais grave do que isso: o Walner está agindo assim porque tem problemas em casa. O pai dele bebe e bate na mãe dele todo dia. Certo dia ele resolveu intervir na briga e o pai o expulsou de casa. Ele às vezes dormia na casa de alguns colegas, mas agora está dormindo nos arredores do colégio, na rua mesmo!”.
A professora ficou muito impressionada e apreensiva com o fato.
O tempo passou e enquanto isso seguíamos respondendo presenças pelo Walner (já havíamos superado o meio do ano). Alguns professores que desconfiavam da existência do Walner eram provocados. Afirmamos para o Lencastre: “- Professor, o Walner disse que não virá mais na sua aula, pois ela é muito fraquinha. Ele disse que só fará a prova e que passará com um pé nas costas, pois ele se garante!”. O Lencastre ficou roxo de raiva, mas teve que engolir essa do Walner.
Certo dia a mãe do Walner recebe em casa uma ligação de uma preocupada professora de S.O.E. :
P: “- Queria conversar com a senhora sobre o problema do seu filho…” M: “- Problema? Que problema?” P: “- Eu compreendo que seja difícil para a senhora tocar nesse assunto, mas é importante para o bem do seu filho!” M: “- Que problema é esse?” P: “- Eu entendo seu embaraço, mas estou aqui para ajudar!” M: “ ?????” P: “- Eu sei que seu marido vem apresentando problemas com o álcool…” M: “- Meu marido? De forma alguma ! A senhora fala sério?” P: “- Bom, a primeira reação de uma mulher vítima de violência doméstica é negar para proteger a família, mas a senhora tem que encarar essa situação de frente, pelo bem do seu filho! É preciso ter coragem! Estou aqui para ajudá-la !”
M: “- Como assim?”
P: “- Compreendo sua resistência, mas precisarei insistir. A senhora sabe que seu filho deixou de freqüentar as aulas?” M: “ - Sério? Não sabia disso!” P: “- Vamos tocar logo na causa disso tudo?” M: “- O que? Isso é trote? A senhora é professora de que?” P: “- Professora de S.O.E. do CAP!” M: “- Mas meu filho não estuda mais no CAP desde o ano passado! Ele está cursando o Impacto!” P: “- Ahnnnnn? Como assim? Sério?” grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
Não sei a razão, mas depois daquele dia as aulas de S.O.E. se tornaram um pouco embaraçosas para mim, rsrsrsrs…
Cara, incrível a capacidade de me manter vivo no colégio. Só uma coisa: a conversa com a minha mãe não foi por telefone, ela foi convocada para uma reunião…
Abraços, Walner Malta
Gente, esta foi s-e-n-s-a-c-i-o-n-a-l.. É tudo verdade?!?!? Não pode ser…
Beijos a todos, Renata Paiva
Pior que foi, Renata… Cada palavra é a mais pura verdade… Como acompanhei de perto, confesso, foram dias muuuuito divertidos! Bjs
É, Renata. A 11 era uma turma beeeeeem criativa!!!! Bjs, Fabi
É gente, depois do “aval” da Fabiana e da Carta, não dá prá negar… Mas eu rolei de rir com esta história! bjs, Renata